sábado, 23 de janeiro de 2010

monólogo/poema inspirado em FEVER 103° de Sylvia Plath

No início do ano passado, uma produtora entrou em contato comigo para que eu roteirizasse um argumento que já existia, visando um edital.

Por questões de ética profissional, só vou revelar o que é fundamental para contextualizar:
O personagem principal deveria ser uma mulher.
O final do curta tinha de ser ela declamando um poema para a câmera.

Escrevi o roteiro e, no final, a personagem declamava o poema FEVER 103° (febre 40 graus) da Sylvia Plath.
MAS, fui informado de que não seria possível usarmos o poema.
PORTANTO, eu deveria escrever outro.
Então, escrevi o texto abaixo, inspirado no poema da Sylvia Plath.

Já que nunca mais tive o retorno de o que aconteceu, aqui vai o texto:



( Aqui vai o link do poema original: http://www.americanpoems.com/poets/sylviaplath/1395 )

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

fragmento do meio do filme - tava trancando aí e decidi publicar

Agora há pouco, uma centopéia de meio metro matou um rato, na trilha por onde a gente tava passando. Esses nativos não se impressionam com nada. O cara na minha frente caminhou por cima da centopéia enroscada no rato como se não tivesse visto. Eu desviei com um pulo, e o que vinha atrás de mim chutou os dois bichos de volta para o mato e riu do meu susto.
As folhas cobrem o céu e o ar é muito úmido. A roupa está a um passo de apodrecer no corpo.
E isso é só a ida.
....


Chegamos na aldeia deles. Índios de bermuda, ouvindo rádios e fumando cigarros. Não sei como, mas eles conseguiram luz elétrica. No armazém fica uma televisão. O armazém é de uma família de brancos que mora na aldeia há muito tempo. São umas sete casas de palafita, a aldeia, dispostas ao redor de uma igreja cabocla e um armazém - duas casas de tijolos, não muito maiores do que o resto dos casebres.

Os médicos que trabalham no meio da floresta são quase todos voluntários do excército. Enquanto os soldados dinamitam pistas de pouso de traficantes, os doutores arrancam dentes e dão remédios. Esse o tipo de filho da puta com quem eu me envolvo: alguém que quis vir para cá.
Entrego para ele a bolsa térmica com as vacinas.
Ele sorri por baixo do bigode e diz que acha melhor eu dormir na aldeia. Na realidade, eu não tenho escolha. Ninguém vai me acompanhar pela mata correndo o risco de que anoiteça.
Que se foda, penso, aceitando o convite do milico.

....................

Em uma mistura de respeito e desconfiança, todos acharam melhor que eu fosse dormir na igreja. Me dão peixe para comer e um colchão de palha. Não aceito a água, tenho o meu cantil.
A igreja é uma construção pequena, o teto bem alto. Já é noite. Um morcego entrou pela algum buraco no telhado, e fica voando no teto, fazendo barulho. Não é difícil encontrar alguém com o rosto deformado. Esses bichos filhos da puta, os morcegos, roem o nariz e as mãos de bebês.

O morcego sobrevoa tudo e dá rasantes, dando aqueles gritinhos medonhos.
A igreja tem várias cadeiras e bancos feitos de tronco, em duas filas, que terminam no altar, que é uma mesa com algumas estátuas de santos e um crucifixo, todas as figuras bíblicas com caras de índios.
Tomo um trago do cantil, desce queimando. Estou deitado no chão, olhando as manchas nas paredes, quando escuto um barulho. Uma cobra, que estava pendurada em uma viga no teto, acabou de dar um bote no morcego. Eu já tinha ouvido falar nisso, cobras domesticadas, ensinadas pelos índios.
Caralho.