sábado, 28 de novembro de 2009

Pássaros gigantes em Porto Alegre

Volta e meia, caminhando pelo bom fim, eu vejo um pássaro muito grande (maior do que um urubu), marrom, com a ponta das asas brancas.
E não sou só eu que vejo, outras pessoas também vêem - sorte minha.
No apartamento do montador do curta metragem "O Rosto que Sorri", Tomaz Borges, vimos um pássaro exatamente igual.
Inclusive, primeiro nós ouvimos um barulho, algo entre um papagaio e um porco.
E, pelo barulho que nós ouvimos, o pássaro devia estar parado na sacada.
Quando eu cheguei perto, ele saiu voando.


A primeira vez que vi esse pássaro foi há alguns anos atrás no topo do prédio da minha mãe.
Fim de semana retrasado, vi dois deles, enquanto filmava um material com um amigo meu, o Lorean, no topo do prédio mesmo prédio.

São uns animais grandes pra caralho.
O que fica no Bom Fim,  fica nos arredores do pronto socorro, caso alguém se interesse.

Eu imagino do que se alimentam essas criaturas.

Será que elas aprenderam a pegar gatos e cachorros de rua?

Será que elas conseguem levantar uma criança?

Será que algum excêntrico alimenta esses seres incríveis na sacada da própria casa, com baldes cheios de carne e sangue?

Quando eu era criança, não tenho idéia de quantos anos, mas, sem dúvida, menos de 10, eu estava na caminhonete do meu avô, voltando da fazenda dele. Era noite e quem dirigia era minha avó. Nós estávamos indo bem rápido (ainda não haviam pardais de trânsito e minha avó sempre gostou de correr), por uma estrada de chão batido entre dois campos, quando atropelamos um pássaro enorme. Ele vinha cruzando a estrada, passando pela frente do carro. Devia estar mergulhando para pegar algum animal do chão. O pássaro - que minha avó identificou depois como um Carcará - bateu no vidro, e ficou preso ali, com as asas abertas. Eu lembro das penas marrons, dos olhos amarelos - ele olhava para dentro do carro - e das garras. Minha avó freou o carro e o Carcará saiu voando.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

alegria

Eles passam os dias deitados.
Tirando quando entram no mar, o que é raro
ou quando Precisam comprar alguma coisa
ou ir a algum lugar.

Mas, no geral, passam os dias deitados
juntos.

Ele carrega algo horrível
ela ia ficar louca e não ia se dar conta.

Faz dias que eles chegaram na casa de praia
e pouco importa quem eles são ou o que faziam antes.

Balançando em uma rede, na sombra de uma amendoeira doente,
nenhuma palavra profana as moscas que pairam imóveis no ar.

Ele se preocupa com alguma coisa que está comendo ele por dentro
ela tem os olhos perdidos no oceano
e os seus pensamentos são todos azuis quando ela beija Ele, que parece cansado.

E quando ele precisa carregar o lixo pra fora
de casa
quando ele carrega aquele monte de sujeira
até o monte de sacos pretos cheios de vida
ele não se deixa seduzir pelo assobio do vento [é noite]
ele não se permite pensar na serpente que arma o bote
no saco de lixo e que mira o seu peito
ele abandona o lixo onde é o lugar do lixo e caminha de volta para casa
fumando sem vontade mais um cigarro
e encontra Ela deitada na cama
de braços estendidos
e não há nada para fazer além de ficar a vontade com o seu lado doce
e Scarlet O'Hara vai sempre sofrer pela gente
e os dois se beijam quando aquela mulher linda chora.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

NO ESCURO (amostra grátis do meu livro "O IDEOGRAMA IMPRONUNCIÁVEL" - 15 reais nas livrarias Cultura de todo o país)

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Dentes e unhas, alguma coisa viva cai no peito, rasgando e fazendo barulho.

A cabeça ainda pesada de ressaca e sonho, começa a dar socos a esmo, o sujeito, subitamente acordado, que grita. A garota deitada ao seu lado também grita. O ser que caiu em seu peito nu grita ou guincha ou mia e foge. Some, a janela aberta ao lado da cama. Faz-se luz no quarto. A garota, apavorada, de pé, uma mão no interruptor, a outra cobrindo o rosto.

Que que foi isso? Putamerda, tu me deu um soco, ela fala, mas é como se gritasse.

Os dois dormiam juntos, depois de voltar às 4 da tarde de uma festa que durou tempo demais. Aliás, já faz alguns meses que, com alguma freqüência, eles dormem juntos. E estavam os dois, ele, um sujeito que nunca antes, pelo que se sabe, tinha batido em uma mulher, e ela, a agredida moradora daquele apartamento térreo, dormindo juntos quando -acho que era um gato – foram acordados – claro que era um gato, caralho – por esse bicho filho da puta – certo que esse gato de merda não é vacinado – que, depois disso, escapou.

Tinham, por algum motivo obscuro, brigado horrores na noite anterior. Foram dormir bêbados, se odiando. Será que era um gato mesmo? Os lençóis, sujos de sangue. Nada sério, mas ele ainda treme com a tensão. Ela alisando a própria cara. Tu tá preocupado com isso? Tu me deu um soco, imbecil.

Tu queria que eu fizesse o que? Mal-e-mal pegou em ti. Fora que tava escuro. E não fala assim comigo, sua escrota.

Que maravilha é a convivência, as palavras certas vem a eles com naturalidade.

Ela sai do quarto, vai ao banheiro e pára em frente ao espelho. Caralho, acho que vai ficar roxo. Ele, já sentado na cama, encosta um dedo no peito lanhado, segurando a respiração. Está segurando a respiração quando à boca lhe sobe, vindo do estomago, o pouco que sobrou do pouco que comeu e muito que bebeu nas últimas horas. Entra correndo no banheiro, esbarrando na garota, e se ajoelha, cara-a-cara com a privada, o rapaz que pensa não só em tudo o que seu corpo está expulsando, mas, muito pior, nas coisas que o seu corpo nunca vai ter a chance de expulsar. Ela olha para baixo, para ele que vomita, e, triunfante, sorri. Ele, que finalmente pára
de vomitar, olha para ela sorrindo, e sente tanta raiva que esquece de tudo. Quer levar mais uma, sua puta?

Ela, agora séria, sai do banheiro e vai para a cozinha. Ele espera algum tempo ajoelhado, não tanto porque queira vomitar, mais por estar decidindo o que fazer. Ainda de joelhos, escuta ela lavar a louça como se jogasse boliche – tomara que quebre todos os pratos – e limpa o sangue do peito com papel higiênico, que gruda nas bordas das feridas. Depois disso, vai até o quarto, cata as roupas do chão, se veste e caminha até a sala, de onde pode ver ela – louca – na cozinha, lavando um cinzeiro. Ele sabe que tem que ir embora, mas antes sente a necessidade de acender um cigarro, olhando para ela, que também sabe que ele tem que ir embora, e que fica possuída com gente fumando e jogando cinza no chão.

Ela arremessa, então, o cinzeiro que estava limpando. Mirou no peito. O cinzeiro de vidro cruza o ar. Olhando para esses dois, é impossível não se perguntar onde foram parar aquela garota selvagem-porém-doce e o sujeito sensível-porém-másculo? Mas de nada adianta perguntar. Até por que ela errou. Apesar de tonto e baleado, ele consegue desviar do cinzeiro, que se espatifa contra a parede. Atirou com força, a desgraçada. Nesse momento os dois se olham bem fundo nos olhos. Poderiam dizer qualquer coisa, mas ficam em silêncio. Se encaram. Então, ele sai do apartamento, batendo a porta, de alguma maneira satisfeito. Ela desiste da louça, nem pensa nas cinzas ou nos cacos de vidro, deita na cama e dorme, e é a vez dela de sonhar, e ela sonha com o paraíso, que, na cabeça dela é um lugar onde toca uma música e todo mundo conversa, meio que dançando e dando risada.

domingo, 15 de novembro de 2009

Sardinella brasiliensis

O sujeito botou os pratos na mesa, a garota trouxe as coisas da geladeira. Depois dos pratos e talheres, ele abriu o armário e pegou uma lata de sardinhas. Sentou ao lado da garota, que já começava a preparar um sanduíche, e abriu a lata, puxando a tampa com o dedo. A tampa afiada se levantou sem resistência. Lá dentro estavam duas sardinhas, decapitadas e sem o rabo, como era de se esperar. Uma das sardinhas é muito pequena, a outra, grande e gorda.

O sujeito dispõe as sardinhas sobre o pão para fazer o seu sanduíche, enquanto a garota ao seu lado mastiga. Ela se levanta e vai colocar alguma música. Além de estar querendo ouvir música, também não quer olhar para o prato dele, acha nojento olhar para as sardinhas, que vem com pele (escamas, foda-se), tripas e aquela espinhazinha branca. Sozinho, o sujeito pega primeiro a sardinha menor, corta com uma faca e coloca os pedaços no pão. Ao tentar fazer o mesmo com a segunda sardinha, alguma coisa dentro do cadáver lustroso detém a faca.

O sujeito, intrigado, contorna o obstáculo com uma incisão que abre a sardinha em duas metades. Além das tripas e da coluna branca e crocante, ali está, do tamanho de um polegar, uma pequena garrafa e, dentro da garrafa, algum tipo de pequeno papel enrolado. Quando a garota volta para a mesa - a música rolando - aquela porra daquela sardinha enorme está ali, aberta, estripada em cima do pão, e o sujeito fuça o interior do peixe com o dedo.

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Assim que a curiosidade supera o nojo, e a garota alcança uma pinça para o sujeito, dentro da garrafa, os dois encontram dois bilhetes, escritos em uma caligrafia tão minúscula que é preciso uma lente de aumento para ler. Cada bilhete contém uma frase:

"O único sofrimento verdadeiro é a dúvida e a única salvação verdadeira é a colonização interplanetária."

e

"Visite a Guatemala, o coração do Mundo Maia."

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Uma vez passado o choque, os dois almoçam, logo depois de acordarem juntos na cama que dividem há alguns meses. Eram umas 4:00 da tarde quando eles acordaram.

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Horas mais tarde, ainda no mesmo dia, os dois pegam o carro e vão para a beira do rio onde o sol se põe e esperam, abraçados e escorados no parachoque até que acontece e, de fato, é um lindo pôr-do-sol: um pedaço azul, o outro amarelo mijo, umas nuvens cinzentas iluminadas de vermelho. Quando anoitece, os dois saem dali, param em um posto de gasolina e seguem para uma parte mais isolada da cidade, uma parte perdida no mato.

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Carregando um galão cheio, o sujeito desce do carro e começa a atirar gasolina nesse outdoor, que fica no meio de um descampado. No outdoor, uma mulher sorri ao lado da frase:


" AQUI VOCÊ FAZ FORÇA E SE DIVERTE "

O abdome da mulher é muito bem definido, seus dentes são brancos e ela parece estar fazendo uso de algum tipo de aparelho cujo propósito deve ser exercitar ou alongar pernas e braços simultanetamente em todos os sentidos. O cheiro forte de gasolina se expalha, o sujeito joga o galão vazio na cara da mulher gigante no outdoor e a garota de verdade aperta o acendedor de cigarros do carro. Ela está de pé ao lado da porta aberta do carro e, quando o metal enrolado dentro do acendedor fica laranja, ela o atira na direção do outdoor, enquanto o sujeito se afasta caminhando de costas e se deita no capô do carro. Em segundos, as chamas se espalham, e o cheiro de gasolina começa a ser substituído pelo cheiro de queimado.

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Deitado sobre o carro, olhando aquela coisa grande e imóvel pegando fogo, o sujeito tem uma ereção, sem saber direito por que. Também envolvida em algum processo intímo e silencioso, a garota se senta ao lado dele no capô do carro. Os dois se olham e se beijam na boca e no pescoço, enquanto as mãos exploram areas já conhecidas. Em meio a chamas, a única coisa visível é o sorriso azulejado da mulher e a frase, enquanto, a alguns metros de distância, o casal transa em cima do carro. Do outdoor pegando fogo, brota uma fumaça preta que sobe e cruza a noite em direção ao vazio.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Visite a Guatemala, o coração do mundo maia.

Vi essa frase em uma propaganda na TV.

Será que alguém já lucrou com o turismo do apocalipse?

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Isso não é uma alusão a música "Daniel", do Elton John.

Um ex-motoqueiro, ex-chapista, que adorava tocar violão, mas ficou aleijado do braço depois de atropelar um cachorro e bater em duas árvores. No outro dia, ele acordou no hospital, ainda bêbado.

Um ex-barman de puteiro, atual pizzaiolo em Encantada (SC), justiceiro por natureza, que deu uma surra e obrigou um homem a andar nu pelo bairro, depois do mesmo ter estuprado uma amiga sua.

Um taxista negro de 60 anos, que parece ter 75, e que volta e meia pega umas mulher na rua e apronta umas farinhada' que vão até de manhã.

Um sueco chamado Jamal Elias, que tenta fazer miojo em um forno a lenha. Anos mais tarde, o mesmo explodiria um amigo com um foguete caseiro. Até o presente momento, o amigo passa bem.

Um caminho de morte, em meio a pedras e mar.

O aniversário de uma vizinha em um haras.

Uma lomba assassina depois da fast food gordurosa do bar onde aprendemos a beber, que mudou de nome recentemente.

O futuro, denso e anguloso, em amassados pergaminhos de guardanapo encerado Purilanches.

Dois sujeitos indiscutivelmente menores de idade, um bebe muito e vomita no meio da rua, de propósito e dando risada, o outro rola voluntariamente as escadarias de uma igreja.

Feliz aniversário, brother!

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

... ÃHN?

Nasci em Porto Alegre, em 1988. Me formei em cinema e lancei o meu primeiro livro (O Ideograma Impronunciável, pela Dublinense) no meio desse ano de 2009.
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O que aconteceu nesse meio tempo (1988 - 2009) vai continuar guardado em um consultório, uma fazenda em cachoeira do sul, a casa dos meus avós, a casa dos meus pais, a casa da minha mãe, algumas camas, alguns lugares lindos, outros lugares medonhos e em tudo o que eu esqueci.
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AGORA, o que é importante:
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Sou um sujeito voltado para cinema e literatura.
Apesar disso, não sou um cinéfilo, nem um empilhador de livros.
Meu atual plano de vida se resume a manter esse foco (criação - audiovisual - texto escrito) e me viabilizar como pessoa (ganhando algum dinheiro).
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Depois de lançar "O Ideograma Impronunciável", me dei conta de que fazer com que as pessoas leiam, ou pelo menos tenham acesso (ou pelo menos comprem) é a parte complexa. E não no caso específico do meu livro. Até agora as pessoas que leram gostaram, em maior ou menor grau, eu juro.
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Então, a coisa toda foi lentamente me atingindo: Preciso dar pra quem eu puder a minha cara a tapa. E como fazer isso melhor do que no clima de interatividade absoluta & alto flux de informaçã de um blog?
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Portanto, criei esse blog, o primeiro que faço levando a sério, e onde pretendo colocar textos que me venham no instante do ímpeto (uia!), como foi o texto anterior. Sempre que escrever aqui, vou me imaginar sendo lido por um plural secreto de pessoas, vocês, e vou procurar não me orientar estritamente pelo viés narrativo. Acho que vou começar a dar minha opinião sobre livros e pessoas e notícias.
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Quem quiser entrar em contato pode escrever para
samlout@gmail.com

Quem quiser comprar o meu livro, pode falar comigo, ou comprar nas livrarias cultura, palmarinca ou palavraria. É 15 reais.
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Continuarei escrevendo do lado de cá.