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domingo, 25 de abril de 2010

Resenha

Aqui vai mais uma impressão sobre meu livro, "O Ideograma Impronunciável", publicado no ano passado pela editora Dublinense. Quem escreveu foi uma senhora, amiga da minha avó Enóe, que me repassou o texto abaixo por email há bastante tempo. Essa amiga dela é psiquiatra e deve ter oitenta anos para mais. Desde que recebi, fiquei em dúvida sobre publicar ou não. Mas, há alguns segundos, decidi que uma impressão tão interessante, distanciada e angulosa, merece ser registrada.

ola enoe acabei de ler o livro do seu neto gostei muito apesar das provocações proprias da juventude o texto prende a gente. muito bom mesmo por ser ele tão jovem. mas fiquei invocada com titulo o ideograma impronunciavel se não se pode falar é porque é tabu e o que seria essa palavra que não se pode falar sexo, drogas?eu pensei logo na morte. E este sobrenome dele é da parte da mãe e seria de origem polonesa?
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 Se você leu o livro e tem qualquer coisa para dizer, aceito textos, fotos, músicas, com o compromisso de publicar, não importando teor & forma.
Se você não tem o livro e quer ter, pode compra-lo em qualquer livraria cultura ou entrar em contato samlout@gmail.com

sábado, 28 de novembro de 2009

Pássaros gigantes em Porto Alegre

Volta e meia, caminhando pelo bom fim, eu vejo um pássaro muito grande (maior do que um urubu), marrom, com a ponta das asas brancas.
E não sou só eu que vejo, outras pessoas também vêem - sorte minha.
No apartamento do montador do curta metragem "O Rosto que Sorri", Tomaz Borges, vimos um pássaro exatamente igual.
Inclusive, primeiro nós ouvimos um barulho, algo entre um papagaio e um porco.
E, pelo barulho que nós ouvimos, o pássaro devia estar parado na sacada.
Quando eu cheguei perto, ele saiu voando.


A primeira vez que vi esse pássaro foi há alguns anos atrás no topo do prédio da minha mãe.
Fim de semana retrasado, vi dois deles, enquanto filmava um material com um amigo meu, o Lorean, no topo do prédio mesmo prédio.

São uns animais grandes pra caralho.
O que fica no Bom Fim,  fica nos arredores do pronto socorro, caso alguém se interesse.

Eu imagino do que se alimentam essas criaturas.

Será que elas aprenderam a pegar gatos e cachorros de rua?

Será que elas conseguem levantar uma criança?

Será que algum excêntrico alimenta esses seres incríveis na sacada da própria casa, com baldes cheios de carne e sangue?

Quando eu era criança, não tenho idéia de quantos anos, mas, sem dúvida, menos de 10, eu estava na caminhonete do meu avô, voltando da fazenda dele. Era noite e quem dirigia era minha avó. Nós estávamos indo bem rápido (ainda não haviam pardais de trânsito e minha avó sempre gostou de correr), por uma estrada de chão batido entre dois campos, quando atropelamos um pássaro enorme. Ele vinha cruzando a estrada, passando pela frente do carro. Devia estar mergulhando para pegar algum animal do chão. O pássaro - que minha avó identificou depois como um Carcará - bateu no vidro, e ficou preso ali, com as asas abertas. Eu lembro das penas marrons, dos olhos amarelos - ele olhava para dentro do carro - e das garras. Minha avó freou o carro e o Carcará saiu voando.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

NO ESCURO (amostra grátis do meu livro "O IDEOGRAMA IMPRONUNCIÁVEL" - 15 reais nas livrarias Cultura de todo o país)

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Dentes e unhas, alguma coisa viva cai no peito, rasgando e fazendo barulho.

A cabeça ainda pesada de ressaca e sonho, começa a dar socos a esmo, o sujeito, subitamente acordado, que grita. A garota deitada ao seu lado também grita. O ser que caiu em seu peito nu grita ou guincha ou mia e foge. Some, a janela aberta ao lado da cama. Faz-se luz no quarto. A garota, apavorada, de pé, uma mão no interruptor, a outra cobrindo o rosto.

Que que foi isso? Putamerda, tu me deu um soco, ela fala, mas é como se gritasse.

Os dois dormiam juntos, depois de voltar às 4 da tarde de uma festa que durou tempo demais. Aliás, já faz alguns meses que, com alguma freqüência, eles dormem juntos. E estavam os dois, ele, um sujeito que nunca antes, pelo que se sabe, tinha batido em uma mulher, e ela, a agredida moradora daquele apartamento térreo, dormindo juntos quando -acho que era um gato – foram acordados – claro que era um gato, caralho – por esse bicho filho da puta – certo que esse gato de merda não é vacinado – que, depois disso, escapou.

Tinham, por algum motivo obscuro, brigado horrores na noite anterior. Foram dormir bêbados, se odiando. Será que era um gato mesmo? Os lençóis, sujos de sangue. Nada sério, mas ele ainda treme com a tensão. Ela alisando a própria cara. Tu tá preocupado com isso? Tu me deu um soco, imbecil.

Tu queria que eu fizesse o que? Mal-e-mal pegou em ti. Fora que tava escuro. E não fala assim comigo, sua escrota.

Que maravilha é a convivência, as palavras certas vem a eles com naturalidade.

Ela sai do quarto, vai ao banheiro e pára em frente ao espelho. Caralho, acho que vai ficar roxo. Ele, já sentado na cama, encosta um dedo no peito lanhado, segurando a respiração. Está segurando a respiração quando à boca lhe sobe, vindo do estomago, o pouco que sobrou do pouco que comeu e muito que bebeu nas últimas horas. Entra correndo no banheiro, esbarrando na garota, e se ajoelha, cara-a-cara com a privada, o rapaz que pensa não só em tudo o que seu corpo está expulsando, mas, muito pior, nas coisas que o seu corpo nunca vai ter a chance de expulsar. Ela olha para baixo, para ele que vomita, e, triunfante, sorri. Ele, que finalmente pára
de vomitar, olha para ela sorrindo, e sente tanta raiva que esquece de tudo. Quer levar mais uma, sua puta?

Ela, agora séria, sai do banheiro e vai para a cozinha. Ele espera algum tempo ajoelhado, não tanto porque queira vomitar, mais por estar decidindo o que fazer. Ainda de joelhos, escuta ela lavar a louça como se jogasse boliche – tomara que quebre todos os pratos – e limpa o sangue do peito com papel higiênico, que gruda nas bordas das feridas. Depois disso, vai até o quarto, cata as roupas do chão, se veste e caminha até a sala, de onde pode ver ela – louca – na cozinha, lavando um cinzeiro. Ele sabe que tem que ir embora, mas antes sente a necessidade de acender um cigarro, olhando para ela, que também sabe que ele tem que ir embora, e que fica possuída com gente fumando e jogando cinza no chão.

Ela arremessa, então, o cinzeiro que estava limpando. Mirou no peito. O cinzeiro de vidro cruza o ar. Olhando para esses dois, é impossível não se perguntar onde foram parar aquela garota selvagem-porém-doce e o sujeito sensível-porém-másculo? Mas de nada adianta perguntar. Até por que ela errou. Apesar de tonto e baleado, ele consegue desviar do cinzeiro, que se espatifa contra a parede. Atirou com força, a desgraçada. Nesse momento os dois se olham bem fundo nos olhos. Poderiam dizer qualquer coisa, mas ficam em silêncio. Se encaram. Então, ele sai do apartamento, batendo a porta, de alguma maneira satisfeito. Ela desiste da louça, nem pensa nas cinzas ou nos cacos de vidro, deita na cama e dorme, e é a vez dela de sonhar, e ela sonha com o paraíso, que, na cabeça dela é um lugar onde toca uma música e todo mundo conversa, meio que dançando e dando risada.